Preparador: o profissional ignoto

Outrora, publiquei que o revisor é um profissional invisível e expliquei os motivos (ver aqui). Todos concordaram. No entanto, apesar de sua “invisibilidade”, provavelmente boa parte dos leitores já ouviu falar dessa função – ainda que não a conheça muito bem. “Revisor” é um nome comum. Hoje, chegou a vez de falar sobre um profissional que, além de invisível, é ignoto, realmente desconhecido do grande público: o preparador.

Quê? Oi? Preparador? Nunca ouvi falar dessa função. Ele prepara o quê?

Ele prepara originais, meu povo. O preparador (de texto) nada mais é que um revisor também. Acontece que, dentro da editoração, existem diversas etapas, divididas entre muitos profissionais. Por isso, existe uma diferenciação entre tipos de revisor. Assim, convencionou-se chamar, dentro do universo editorial, de revisor a pessoa que revisa o livro já no papel, quando este já foi diagramado, e de preparador a criatura que revisa o texto quando este ainda está no início do processo, normalmente no Word, e não passou por nenhum tratamento. Ou seja, a formação de ambos é a mesma, por isso muitas vezes o profissional trabalha como preparador e como revisor também, só que em livros distintos. No entanto, cada função guarda algumas peculiaridades, e é importante que haja uma clara orientação sobre o que se espera de cada uma (cabe à editora ou ao cliente dar esse briefing).

Imagem do livro A construção do livro, de Emanul Araújo, 2ª edição, 2008, p.59 (Foto: O Eu Literário)

Imagem de A construção do livro, de Emanuel Araújo, 2ª edição, 2008, p. 59 (Foto: O Eu Literário)

Ok, entendi. Mas, afinal, o que exatamente faz o preparador?

O preparador é quem faz a primeira leitura integral do texto; o responsável pela primeira revisão. Normalmente, o original do futuro livro chega às editoras em Word, como mencionado, e é sobre este arquivo que é feita a preparação. Ela visa à correção do conteúdo, de acordo com a língua portuguesa, e à normatização do material, tendo como base o manual de edição da editora. Ou seja, tudo aquilo que o revisor faz, como vocês já leram a esta altura no outro post, o preparador faz também. Vamos às principais diferenças entre um e outro, então:*

  • cabe ao preparador a revisão mais profunda e mais hard; ao revisor (de provas diagramadas), a última leitura, para pegar pastéis e acertar últimas arestas;
  • a principal preocupação do preparador está com o conteúdo: se este está claro, coerente e coeso, se as ideias e frases estão bem encadeadas, se os parágrafos seguem uma ordem lógica, se o estilo segue uma unidade ao longo de todo o livro; ao chegar na revisão, por mais que seja essencial que o profissional ainda esteja atento a esses itens, entende-se que a estrutura e o conteúdo estejam ok já, por isso a principal preocupação do revisor é checar a forma mesmo: como o material já foi diagramado, é necessário que ele observe se a diagramação está seguindo os mesmos padrões, se as quebras de linha estão boas, se os títulos nos capítulos (e nos cabeços) conferem com os que aparecem no sumário etc.;
  • enquanto as emendas do preparador tendem a ser maiores e mais delicadas, com inversões de frases e trechos reescritos, as do revisor tendem a ser mais pontuais, já que o livro chega bem mais limpo, sobrando apenas alguns erros de pontuação, digitação e acentuação, por exemplo – isso na teoria e no ideal dos mundos, claro;
  • faz parte do que se espera de um bom preparador que ele confira nomes, datas e informações que apareçam no texto, principalmente no caso de obras de não ficção, por meio de pesquisas na internet; esta não é uma função do revisor – a menos que ele note algo que lhe pareça equivocado;
  • se a obra for estrangeira, quer dizer que, antes da preparação, ela já passou pela tradução. Nesses casos, cabe ao preparador, e não ao revisor, o cotejo com o original para checar se há saltos ou problemas. (Na verdade, em muitas editoras, o profissional que faz o tratamento de texto após a etapa de tradução é chamado de revisor de tradução, por de fato se debruçar sobre o texto do tradutor e rever, linha a linha, cada escolha feita, apontando erros de tradução, traduções literais, frases que não funcionaram etc., além de saltos);
  • e por último, mas tão fundamental quanto: o preparador deve corrigir erros ortográficos e gramaticais e estabelecer padronizações no texto (quando usar caixa-alta e caxa-baixa, itálico ou aspas) visando sempre à uniformidade; o revisor precisa checar se tudo isso foi feito direitinho e acertar o que precisar de ajustes.

Como vocês perceberam, apesar de ser a mesma profissão, são diferentes funções. A premissa é a mesma e uma completa a outra no processo editorial, mas é importantíssimo que se estabeleçam as atividades e o trabalho esperados de cada um.

O preparador, além de meramente revisar o texto, guarda uma tarefa delicada: pensar o livro e ver se ele está funcionando bem para aquilo que se propõe. Na imagem acima, Araújo cita “preparador” e “editor” de maneira meio híbrida, como se não ficasse absolutamente claro a quem ele está se referindo. A meu ver, é um pouco por isto: quando uma preparação é bem-feita, o preparador atuou um pouco como editor também, pois apontou coisas que não estavam bacanas, sugeriu alterações estruturais para serem vistas com o editor ou com o autor, se preocupou em observar que o capítulo 2 parece ter sido colocado no momento errado do texto e ficaria melhor ao fim, na verdade, por exemplo. Não é à toa que a preparação vem antes da revisão e da diagramação. É uma pena, apenas, que bons preparadores não seja tão fáceis de se encontrar…

 

Bônus: Há, ainda, dois outros tipos de revisor muito conhecidos dentro do mundo editorial: o copidesque e o revisor técnico. O primeiro, em muitos lugares, é tido como um preparador. Eu, no entanto, considero que há uma pequena diferença entre preparador e copi: este último não aglutina essa característica de editor que citei. Já o revisor técnico é requerido apenas para alguns livros especiais, normalmente textos de não ficção de conteúdo muito acadêmico e específico, e esse profissional deve ser alguém muito ligado ao universo do livro, pois sua função é conferir total e completamente o conteúdo em si, fazer pesquisas aprofundadas, algo com que um preparador não precisa se preocupar tanto assim.

* As diferenças de cada função devem ser checadas com cada casa editorial e/ou cada cliente, porque isso é algo que varia muito de lugar para lugar. Esta é apenas uma visão geral e baseada nas minhas próprias experiências.

4 comentários

  1. “enquanto as emendas do preparador tendem a ser maiores e mais delicadas, com inversões de frases e trechos reescritos, as do revisor tendem a ser mais pontuais, já que o livro chega bem mais limpo, sobrando apenas alguns erros de pontuação, digitação e acentuação, por exemplo – isso na teoria e no ideal dos mundos, claro;”

    Acho que pegou bem no cerne. Pena tantos preparadores deixarem a desejar e empurrarem o pior dos mundos a um revisor mais caprichoso.

    Ótimo texto.

    Robson
    http://www.robsontradutor.com

    Curtido por 1 pessoa

    1. É verdade, Robson! Muitos profissionais deixam a desejar. Acho também que existe uma grande falta de briefing, e boa parte acaba entendendo de forma diferente o que cabe a cada etapa de editoração. Uma dica (para quem contrata serviços) é SEMPRE frisar o que espera do seu colaborador.
      E muito obrigada pelo comentário. O blog anda parado, por conta da correria da vida profissional, mas em breve terão novas postagens. Vou visitar sua página também.
      Um abraço!

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